Monday 9 November 2009

Capítulo I (a)

Chegou ao trabalho um pouco adiantada, vestiu a farda incluindo aquele boné que tanto detestava.
Dirigiu-se a Marco, o responsável e perguntou-lhe que função devia assumir naquele momento.
— Hoje ficas na bilheteira Rita, bom trabalho e não percas tempo nas tuas sugestões demoradas com os clientes.
Partindo deste comentário seguiram-se horas de trabalho automático e puro divertimento na observação passiva. A discórdia entres os casais, os clientes solitários, os grupos de adolescentes, os amigos que esperavam evoluir para algo mais, as famílias e as suas crianças, tantas pessoas diferentes que relavam tanto sobre si sem se aperceberem.
À meia noite e meia Rita foi dar uma ajuda com as pipocas e as bebidas, para servir o último grupo da noite.
Passava um pouco das duas da manhã e estava a despir a farda. No momento em que se despedia e se encaminhava para a saída um colega abordou-a.
— Rita, espera um pouco.
— Olá Daniel, esqueci-me de alguma coisa?
— Estamos a combinar ir beber um copo, não queres vir?
— É mesmo tarde, estou cansada. Mas obrigada.
— Então e amanhã? Tu estás de folga, eu também, podiamos tomar um café, lanchar, passear, qualquer coisa...
— Entre todos os colegas e o resto das pessoas que conheces de certeza que consegues arranjar melhor companhia para passar a tua folga.
— Ouve não te entendo. Tu gostas mesmo de toda essa tua solidão? Vais ficar para sempre alheia ao mundo e à vida? Não podes mesmo tirar meia hora do teu tempo para conversar com outro ser humano?
— Mas o que é que tu julgas que sabes sobre mim? Não sabes nada sobre mim.
— Sei que trabalhas aqui há dois anos e nunca te integraste na equipa, nunca vens acompanhada, nunca ninguém te vem buscar ou te faz uma visita, não usas o teu passe duplo aqui no cinema para trazer uma amiga ou amigo, nem ao telefone falas raios! Ah, sei que tens uma cadela que adoras. É a tua única relação aparente com um ser vivo.
— Não tens o direito.
— Faz-nos um favor, aceita o meu convite. Diz que sim.
— Vou escrever neste papel a morada da minha casa, é aqui perto, eu venho a pé. Aparece lá ao meio dia, almoças comigo e com a Violeta, a cadela. Não quero mais cenas destas em frente a estranhos e muito menos no trabalho. Não me voltas a fazer isto. Se me queres conhecer, fazer companhia ou sei lá o quê tens de mudar a tua abordagem.
Então despontou um enorme sorriso na cara dele, ela virou as costas e ele apenas disse:
— Até amanhã Rita, até amanhã...

Sentiu-se inquieta enquanto caminhava para casa, pelos vistos não era a única a observar por aquelas bandas. Porque seria que ele tinha dado tanta importância à sua postura solitária? Ainda podia desmarcar o almoço, mas nem sequer tinha o seu número de telefone. Podia fingir-se doente no dia seguinte e impedi-lo de entrar, mas ele tinha-se mostrado tão tenaz que isso lhe parecia quase impossível...
Deitou-se na cama depois dum banho quente e de satisfazer as exigências habituais de Violeta. Era já muito tarde e adormeceu suavemente.
Parecia que se tinham passado apenas minhutos e alguém estava a bater à sua porta, levantou-se para abrir ensonada e confusa.
— Daniel? Que horas são?!
— Meio dia! — disse ele desperto e sorridente.
— Bolas! Esqueci-me de colocar o despertador!
— O teu cabelo parece uma colmeia!
— Claro, era isso mesmo que esperava ouvir de ti. Já que estás tão bem disposto, importas-te de passear a Violeta lá fora enquanto eu me arranjo?
— Oh não vais almoçar comigo no pijama dos patinhos?!
— Amigo, mais uma gracinha e eu já nem me atrevo a almoçar contigo. Por isso faz o que te digo.
Violeta parecia desconfiada, mas seguiu para a rua com Daniel.
Rita tentou arranjar-se depressa, lavou a cara, os dentes, escovou o cabelo, vestiu uma roupa confortável e dirigiu-se para a janela de modo a vigiar o rapaz e a cadela.

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